“Será que estou fazendo certo?”

A dúvida do título permeia o universo materno e releva o sentimento de culpa materna sentido por muitas mulheres. Uma sensação que pode ter consequências na saúde mental da mãe e do filho, além de afetar toda a família

A psicóloga, Ana Savagnago, explica que o sentimento se trata da sensação de inadequação ou insuficiência, que aparece quando a mãe sente que não está cumprindo bem o seu papel. “É uma emoção natural, mas se torna um fardo quando aparece com frequência e intensidade”, explica. “É um sentimento comum porque a maternidade costuma vir acompanhada de altas expectativas que nem sempre são realistas”, complementa.
Conforme a profissional, a culpa está diretamente relacionada às altas expectativas que recaem sobre a maternidade — muitas vezes, expectativas irreais. “As mães frequentemente sentem que precisam estar presentes, pacientes, disponíveis e perfeitas o tempo todo, o que nem sempre é possível”, reforça.
Na prática, diversos episódios aparentemente pequenos são suficientes para acionar esse sentimento, tais como ficar irritada ou gritar com a criança; não conseguir amamentar ou desistir antes de esperado; compara-se a outras mães; achar que o filho “não está se desenvolvendo como deveria”; querer um tempo só para si — e se sentir egoísta por isso.
“Esses gatilhos estão ligados a uma autoexigência desproporcional, que transforma pequenas falhas ou necessidades legítimas em grandes dilemas emocionais”, observa a psicóloga.
A culpa costuma ser mais intensa nas mães de primeira viagem, que ainda estão se adaptando a uma nova realidade cheia de incertezas. No entanto, não se limita aos primeiros anos da criança. “Ela pode continuar ao longo de toda a jornada materna. A culpa pode se transformar, mas persiste se não for trabalhada com consciência e autocompaixão”, alerta.
Outro fator que contribui significativamente para a amplificação da culpa é o ideal de perfeição reforçado culturalmente. “Vivemos numa cultura que ainda idealiza a maternidade. A ‘mãe perfeita’ é calma, criativa, amorosa, paciente, disponível e feliz o tempo todo!”, explica Ana. As redes sociais potencializam esse cenário: ali, tudo parece perfeito. “Vemos mães que fazem tudo ‘certo’, com filhos bem-comportados, alimentação saudável e casa arrumada. Mas não vemos os bastidores, os choros, os erros, os cansaços. Isso cria a falsa ideia de que ‘só você está errando’, o que alimenta a culpa”, diz.

Quando a culpa vira sofrimento

Se não reconhecida e cuidada, a culpa prolongada pode trazer consequências sérias à saúde mental das mães. Entre os efeitos mais comuns estão a ansiedade constante, com preocupação e medo de errar o tempo todo; a depressão, acompanhada da sensação de fracasso e desvalorização pessoal; baixa autoestima, com a percepção constante de ser uma “má mãe”; esgotamento físico e emocional; dificuldade de autocuidado e sensação de aprisionamento no papel materno. Além disso, muitas mulheres passam a se autopunir, privando-se de momentos de prazer ou descanso por acharem que “não merecem”.
A culpa também pode interferir diretamente na forma como a mãe se relaciona com os filhos e na educação que oferece. “A culpa desregulada atrapalha tanto o afeto quanto a firmeza na criação”, destaca Ana.
Dois comportamentos comuns decorrentes desse sentimento são a supercompensação, que é quando a mãe tenta agradar o tempo todo, evita dizer “não” e cede aos pedidos da criança como forma de compensar sua ausência ou erros percebidos — o que pode prejudicar o estabelecimento de limites e a autonomia do filho; e o distanciamento emocional: quando a culpa é muito intensa, a mãe pode se sentir tão incapaz que acaba se desligando emocionalmente, afetando o vínculo afetivo e a sensação de segurança da criança.
Há que se preocupar quando a culpa se torna constante, mesmo sem motivo claro, ou quando provoca a autocrítica severa e paralisante; além dos momentos em que afeta o humor, o sono, o apetite ou o desejo de interagir com os filhos. “Nesse ponto, é fundamental buscar apoio de um profissional de saúde mental”, orienta a psicóloga, Ana Savagnago.
Segundo a profissional, é possível adotar estratégias específicas para que essa jornada se torne mais leve. “Reconheça que errar é humano e necessário para aprender; pratique a autocompaixão: fale consigo como falaria com uma amiga querida; converse com outras mães — compartilhar vivências mostra que você não está sozinha; consuma conteúdos reais sobre maternidade, e não apenas os idealizados; valorize o que você consegue fazer, em vez de focar só no que “falhou”; separe culpa de responsabilidade: culpa paralisa, responsabilidade transforma; permita-se ter uma identidade além de “ser mãe”: cuidar de si é também cuidar do seu filho”, orienta. “O mais importante é buscar ajuda profissional, se perceber que a culpa está afetando seu bem-estar”, finaliza.

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