A outra face da violência
Frequentador do Grupo Reflexivo, fala sobre o processo de responsabilização e mudança de comportamento após cometer violência doméstica
Natural de Santo Augusto, Paulo (nome fictício para preservar a identidade do entrevistado) conhece de perto todas as faces e efeitos da violência doméstica. Casado há cerca de 40 anos e pai de três filhos, ele perdeu o pai cedo e a mãe abusava do álcool. Um entre os 12 filhos do casal, teve que começar a trabalhar ainda criança, a fim de ajudar no sustento da grande família, prática comum na época. Naquele contexto, o santo-augustense optou por casar-se aos 13 anos, envolvendo-se em uma vida adulta precoce, de muitas responsabilidades desconexas à sua idade, acontecimentos que, por mais nocivos que fossem, construíram a sua trajetória de vida.
Desde então, muitas lutas permearam a vida do homem. Porém, um episódio sombrio trouxe um novo rumo à vida de Paulo. Um dia, quando chegava em casa retornando de uma festa, estava alterado e sob efeito do álcool, acabou entrando em uma discussão com a esposa e praticando violência verbal contra a sua companheira. Tal ato originou um registro de boletim de ocorrência enquadrado na Lei Maria da Penha, que, por decisão do juiz, encaminhou Paulo para o Grupo Reflexivo, um projeto-piloto existente em Santo Augusto que busca trabalhar por meio de grupos de apoio agentes envolvidos em violência doméstica.
Hoje, depois de alguns encontros, Paulo admite que estava errado.
“ Eu sei que errei. Sei que não deveria ter agido daquela forma e que precisava mudar. Também sei que não basta apenas pedir desculpas, é preciso ter respeito, paciência e entender que mulher não épropriedade de ninguém”,coloca.
Na época o casal chegou a ficar separado por um tempo, mas reataram o relacionamento pouco depois. “Hoje eu entendo que todos os nossos atos tem uma consequência. Que a desconfiança, o ciúme, o excesso de limites não ajudam em nada. Hoje, quando vejo que o clima está esquentando, saio. Não deixo evoluir”, acrescenta. “O homem não deveria ter este tipo de atitude. Não é com agressão, ameaças e palavras ruins que você resolverá alguma coisa. Aquilo que dói em você, também dói no outro”, emenda.
Projeto Novos Caminhos
Em janeiro de 2025, Santo Augusto lançou o projeto piloto Novos Caminhos, uma iniciativa que une Executivo Municipal, Judiciário e Ministério Público, oferecendo grupos reflexivos e responsabilizantes como medida alternativa para homens em cumprimento de medidas protetivas durante ações penais.
“A ideia central é trabalhar a responsabilização e a reflexão sobre o próprio comportamento, e não apenas punir. Queremos que eles compreendam o impacto da violência na vida das vítimas e de seus filhos e, a partir disso, construam alternativas de convivência sem agressão”, explica a psicóloga Caroline Megiolaro, responsável pelo acompanhamento psicológico dos participantes.
O programa tem duração de três meses, prorrogáveis por mais três, e recebe até 15 participantes por ciclo. Caroline detalha que os encontros abordam questões fundamentais. “Discutimos masculinidade, comunicação não violenta, empatia, gatilhos da violência como álcool, ciúmes e redes sociais, e a responsabilidade pessoal em cada ato. Trabalhamos a partir das histórias de vida e experiências reais, provocando reflexão crítica sobre atitudes e escolhas”, relata.
Segundo Caroline, a mudança de comportamento é lenta, mas perceptível. “Nem todos avançam no mesmo ritmo, mas já é possível notar transformação na forma como percebem a própria responsabilidade. O objetivo é que eles saiam do grupo conscientes do impacto de suas ações e preparados para se relacionar de maneira diferente”.
Atualmente, 22 homens participam do projeto, com idades que variam de jovens a 60 anos ou mais, muitos com histórico de abuso de álcool e ameaças frequentes contra as vítimas. “O trabalho é desafiador, mas cada pequena mudança já representa um passo importante para a prevenção da reincidência”, afirma Caroline.
